sexta-feira, 25 de abril de 2025

É Possível Prever o Início do Uso de Drogas na Adolescência?

Blog Desvendando a Personalidade
A Neurociência e Neurobiologia do Desenvolvimento Humano
By ChatGPT 4o

O uso de substâncias geralmente começa durante a adolescência. Em 2022, 23% dos adolescentes de 13 anos relataram já ter consumido álcool alguma vez na vida, seguidos por uso de cigarros eletrônicos com nicotina (17%) e com cannabis (8%). Começar a usar substâncias em idades mais jovens está ligado a um risco maior de desenvolver rapidamente transtornos por uso de substâncias (TUS) e também a uma maior chance de apresentar problemas psiquiátricos. Os efeitos negativos do uso precoce — que podem afetar o cérebro, o comportamento e as funções cognitivas — somados à maior vulnerabilidade para transtornos psiquiátricos e dependência na vida adulta, mostram como é importante identificar os fatores de risco e de proteção relacionados ao início precoce do uso de substâncias. Isso ajuda a orientar ações de prevenção e intervenções precoces.

O estudo intitulado “Predictors of Substance Use Initiation by Early Adolescence” foi conduzido por ReJoyce Green, Bethany J. Wolf, Andrew Chen, Anna E. Kirkland, Pamela L. Ferguson, Brittney D. Browning, Brittany E. Bryant, Rachel L. Tomko, Kevin M. Gray, Louise Mewton e Lindsay M. Squeglia. Os autores estão afiliados a instituições renomadas, incluindo o Department of Psychiatry and Behavioral Sciences e o Department of Public Health Sciences da Medical University of South Carolina, nos Estados Unidos, além do Matilda Centre for Research in Mental Health and Substance Use, da University of Sydney, na Austrália. O artigo foi publicado em 2024 na revista científica American Journal of Psychiatry, uma das mais respeitadas no campo da psiquiatria, sendo o periódico oficial da American Psychiatric Association.

A metodologia do estudo baseou-se na análise de dados longitudinais do projeto Adolescent Brain Cognitive Development (ABCD) Study (https://abcdstudy.org/), uma coorte multicêntrica que acompanha crianças norte-americanas a partir dos 9–10 anos de idade. O objetivo foi identificar preditores da iniciação ao uso de substâncias até os 12 anos, a partir de um conjunto de 420 variáveis abrangendo aspectos sociodemográficos, comportamentais, parentais, psicológicos, neurocognitivos, hormonais e neurobiológicos.

Para entender melhor por que algumas crianças começam a usar substâncias como álcool, cigarro ou maconha ainda muito jovens, os pesquisadores acompanharam um grande grupo de crianças nos Estados Unidos, com idades entre 9 e 10 anos. Essas crianças nunca haviam usado nenhuma substância antes do início do estudo. Elas foram observadas por cerca de três anos, até completarem aproximadamente 12 anos de idade. Durante esse período, os cientistas coletaram uma enorme quantidade de informações sobre cada criança — desde dados simples como idade, raça, sexo e religião, até características do ambiente onde vivem, como se o bairro é seguro, se têm boa relação com os pais, se os amigos usam substâncias, como dormem, se praticam atividades físicas e até dados de exames cerebrais e níveis hormonais.

Para analisar esses dados complexos, os pesquisadores usaram uma técnica estatística chamada regressão logística penalizada. Essa técnica estatística ajuda a prever se uma criança vai ou não começar a usar substâncias, usando todas essas informações. Mas, como são muitas variáveis, o método também aplica uma espécie de “filtro inteligente”, ignorando os dados que não ajudam na previsão ou que confundem o modelo. Assim, o sistema escolhe automaticamente as variáveis mais importantes para prever o comportamento de interesse, tornando a análise mais confiável e menos sujeita a erros. Além disso, o modelo foi testado várias vezes, dividindo os dados em grupos diferentes, para garantir que ele funcionasse bem em situações diversas — esse processo é chamado de validação cruzada. Por fim, os pesquisadores avaliaram o desempenho do modelo com uma métrica chamada AUC, que mostra o quanto ele consegue acertar em identificar quem tem maior risco de começar a usar substâncias. Quanto mais perto de 1 for esse número, melhor o desempenho do modelo. Dessa forma, o estudo conseguiu identificar quais fatores realmente estão associados ao início precoce do uso de substâncias, de forma precisa e cuidadosa.

Até os 12 anos de idade, cerca de 14,4% dos 6.829 jovens acompanhados no estudo haviam iniciado o uso de alguma substância. A substância mais comum relatada foi o álcool, seguida pela maconha e pela nicotina, o que está de acordo com dados de outros estudos populacionais sobre o assunto. Quando os pesquisadores compararam diferentes modelos de análise estatística, perceberam que os métodos mais complexos e caros — como exames hormonais, testes neuropsicológicos e imagens do cérebro — não ajudaram a melhorar a capacidade de prever quem começaria a usar substâncias, em comparação com informações simples relatadas pelas próprias crianças e suas famílias.

Esse resultado é muito importante, principalmente para lugares ou serviços que não têm muitos recursos financeiros. Isso porque ele sugere que, para entender o risco de uma criança começar a usar substâncias, pode ser mais eficiente e acessível investir na coleta de informações detalhadas sobre o ambiente familiar, os amigos e o comportamento da própria criança, ao invés de recorrer a exames caros. No estudo, essas informações mais simples se mostraram mais úteis para prever quem estaria em risco, especialmente nessa fase da vida entre o final da infância e o início da adolescência.

O fato de os pais indicarem uma afiliação religiosa para seus filhos — mesmo sem entrar em detalhes sobre o quanto essa religião é praticada no dia a dia — pode influenciar o risco de a criança começar a usar substâncias. Esse achado reforça pesquisas anteriores que já sugeriam essa associação e mostra que uma informação simples e fácil de coletar, como a religião da família, pode ter impacto importante no cuidado clínico e na prevenção. No estudo, por exemplo, foi observado que crianças com afiliação religiosa mórmon tinham uma chance significativamente menor de iniciar o uso de substâncias. Por outro lado, jovens com afiliação judaica apresentaram maior chance de início. Isso sugere que diferentes religiões podem ter normas e costumes específicos relacionados ao uso de substâncias, o que pode influenciar esse risco de formas diferentes.

A religiosidade já havia sido apontada por outros estudos como um fator de proteção não só contra o uso de substâncias, mas também contra dificuldades emocionais e comportamentais. Isso mostra que os efeitos da religião não são simples e podem envolver a interação entre fatores culturais, sociais, emocionais e comportamentais. Pesquisas futuras poderão se concentrar em entender melhor quais aspectos da religiosidade (como práticas, valores ou vínculos comunitários) realmente ajudam a proteger os jovens, para que esses elementos possam ser usados de forma mais eficaz em programas de prevenção.

Além da religião, outros fatores sociodemográficos também se destacaram como preditores importantes no estudo. A raça foi um deles: jovens negros, por exemplo, tiveram menor chance de iniciar o uso de substâncias em comparação com jovens brancos. Esse achado vai ao encontro de outros estudos que mostram taxas mais baixas de uso de álcool e nicotina entre adolescentes negros. A renda familiar também apareceu como um fator relevante. Embora os resultados sobre renda sejam variados em outros estudos, este indicou que, dependendo do contexto, a renda mais baixa pode ser um fator de proteção — por exemplo, em áreas rurais —, mas também pode representar um risco maior em ambientes urbanos, especialmente para o início do uso de álcool entre jovens negros. Isso mostra como o contexto onde a criança vive pode mudar o significado e o impacto de certos fatores.

Um dos achados mais importantes do estudo foi que a exposição pré-natal a substâncias — ou seja, o uso de álcool, cigarro ou outras drogas pela mãe durante a gravidez — foi um fator fortemente associado ao início precoce do uso de substâncias pelos filhos. Isso confirma resultados de estudos anteriores e reforça a necessidade de pesquisas que ajudem a entender melhor como essa exposição ainda no útero pode aumentar o risco futuro, por exemplo, por meio de alterações no desenvolvimento cerebral ou por mudanças no estilo de criação dos pais. Os autores reconhecem que pode ser difícil para muitas mães falar abertamente sobre o uso de substâncias durante a gestação, especialmente em consultas médicas, mas explicam que, ao deixar claro que essa informação pode ajudar na prevenção de problemas futuros, é possível incentivar conversas e melhorar o cuidado clínico.

Outro fator importante identificado foi o histórico de suspensão escolar ou detenção. Crianças que já tinham passado por situações disciplinares na escola, como serem suspensas, mostraram maior risco de começar a usar substâncias. Isso indica que comportamentos problemáticos ainda no início da vida escolar já podem sinalizar uma trajetória de risco e destaca a importância de programas escolares alternativos, que ajudem essas crianças a desenvolver habilidades e estratégias sem punições que as afastem do ambiente escolar. A presença de comportamentos como buscar emoções fortes (sensation seeking), conviver com amigos que usam substâncias, ter fácil acesso a álcool e cigarro, e comportar-se de forma desafiadora ou antissocial também se mostraram fatores que aumentam a chance de iniciação ao uso de substâncias.

Esses fatores são chamados de fatores de risco modificáveis, ou seja, situações que podem ser mudadas com intervenções apropriadas. Alguns deles podem ser enfrentados com ações maiores, como mudanças nas políticas públicas, por exemplo, reduzindo o acesso a substâncias em certos bairros. Outros podem ser trabalhados com intervenções mais diretas e individuais, como programas de prevenção que ajudam os jovens a lidar com a influência dos amigos. Focar nesses fatores pode melhorar os resultados de programas de prevenção e intervenção precoce, atrasando ou até impedindo o início do uso de substâncias.

Um dado curioso foi que, ao contrário do que se esperava, jovens com melhor desempenho cognitivo — em áreas como atenção, controle e linguagem — mostraram maior probabilidade de iniciar o uso de substâncias. Isso pode parecer contraditório, já que estudos anteriores apontavam que dificuldades cognitivas estariam associadas a um risco maior. Mas aqui, os autores sugerem que o início precoce do uso pode acontecer mesmo em jovens com boa capacidade cognitiva, e que esse uso inicial pode ser apenas o primeiro passo para problemas mais graves no futuro.


CONCLUSÃO

Os resultados deste estudo mostram que vários tipos diferentes de fatores, vindos de áreas diversas da vida das crianças, ajudam a prever quem tem mais chance de começar a usar substâncias ainda na infância. Embora os pesquisadores tenham analisado informações muito detalhadas e complexas, como exames cerebrais e testes neuropsicológicos, essas medidas mais caras e difíceis de aplicar não foram melhores do que as informações simples relatadas pelas próprias crianças e seus responsáveis. Ou seja, perguntar diretamente sobre o ambiente familiar, o comportamento dos amigos e a rotina da criança já fornece dados muito valiosos.

Dentro dessas informações simples, os fatores mais fortes e consistentes encontrados no estudo foram a religião da família, a raça da criança e a renda da família. Além disso, também tiveram grande peso os chamados fatores de risco modificáveis, como a busca por emoções intensas (sensation seeking), a facilidade de acesso a substâncias, e o uso de álcool ou cigarro pelos amigos. Esses fatores podem ser trabalhados em programas de prevenção com mais facilidade, pois são situações que podem ser alteradas com estratégias adequadas.

Um diferencial importante deste estudo é que ele comparou diretamente vários tipos de fatores entre si, para descobrir quais são os mais relevantes na hora de prever o risco. Isso vai além do que muitos estudos anteriores faziam, que costumavam analisar esses aspectos separadamente. Com isso, os pesquisadores destacam que, para prevenir o início precoce do uso de substâncias, é fundamental fazer uma avaliação ampla, que leve em conta tanto fatores sociais (como renda e religião) quanto comportamentos que podem ser modificados ao longo do tempo. Isso permite um cuidado mais preciso e eficaz, principalmente em ações preventivas voltadas a crianças e adolescentes.



REFERÊNCIA

Green R, Wolf BJ, Chen A, Kirkland AE, Ferguson PL, Browning BD, Bryant BE, Tomko RL, Gray KM, Mewton L, Squeglia LM. Predictors of substance use initiation by early adolescence. Am J Psychiatry. 2024 May;181(5):423–433.


Por Décio Gilberto Natrielli Filho

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