quinta-feira, 29 de maio de 2025

Neurobiologia do Estresse

Blog Desvendando a Personalidade
A Neurociência e Neurobiologia do Desenvolvimento Humano
By DALL-E

EUSTRESSE, DISTRESSE E DESAMPARO APRENDIDO

O estudo do estresse e de suas consequências para a saúde historicamente enfatizou seus aspectos negativos, como a piora da qualidade de vida e o surgimento de transtornos mentais, especialmente ansiedade e depressão.

Segundo a proposta original de Hans Selye (médico e pesquisador austro-canadense pioneiro no estudo do estresse, responsável por formular a teoria da Síndrome Geral de Adaptação), o estresse resulta da exposição a agentes estressores variados, que vão de estímulos ambientais simples a experiências complexas de vida. No entanto, nem todos os estressores produzem efeitos exclusivamente negativos. Algumas situações, dependendo da interpretação subjetiva, podem ser vividas de forma positiva. Esse tipo de estresse benéfico é denominado “eustresse” (do grego eu, significando bom ou verdadeiro). A Síndrome Geral de Adaptação, proposta por Hans Selye, descreve a resposta fisiológica do corpo ao estresse em três fases: alarme, resistência e exaustão, indicando como o organismo tenta se adaptar a agentes estressores prolongados.

O eustresse caracteriza-se por dois aspectos principais: envolve estímulos que podem ser objetivamente positivos e exige uma avaliação subjetiva favorável. Costuma ser causado por eventos breves, com intensidade variável, frequentemente associados a metas, desafios e desejos pessoais. Um exemplo seria uma apresentação importante ou uma mudança de vida planejada, experiências que demandam esforço, mas que têm alto valor motivacional.

A previsibilidade e a sensação de controle são componentes centrais do eustresse. Quando conseguimos antecipar os desdobramentos de uma situação e temos confiança de que podemos influenciá-la com nossas ações, a experiência tende a ser vivida como positiva. A sensação de controle pode surgir a partir de um processamento cognitivo complexo, que muitas vezes é vivenciado como uma emoção positiva. Trata-se do resultado de uma avaliação também emocional e cognitiva sofisticada, que exige a análise de diversos aspectos relacionados a cada evento vivido, a cada estímulo percebido e aos recursos disponíveis para lidar com eles. Os recursos psicológicos incluem todo o conhecimento e as habilidades que desenvolvemos a partir de experiências anteriores, nossas capacidades cognitivas e nossa competência para resolver problemas, nossa capacidade de regular emoções e a autoestima. Entre os recursos cognitivos mais específicos estão o controle da atenção, que nos permite manter o foco em certos estímulos por mais tempo e alternar a atenção entre diferentes pensamentos, e a memória de trabalho, que permite manter certas informações em mente e adaptá-las conforme os objetivos. A memória de trabalho também é essencial para integrar informações do passado e projeções futuras, o que é fundamental para planejar e tomar decisões. Além disso, também devem ser considerados os recursos sociais, representados pelas pessoas significativas que podem nos apoiar diante de um desafio, e os recursos materiais, que nos permitem agir sobre o ambiente, alcançar metas e obter resultados positivos. A percepção subjetiva de controle, ou a crença de que tal controle é possível, é crucial para que o estresse seja vivenciado como positivo. Essa percepção pode definir a diferença entre uma ameaça e um desafio, e determinar como um evento será enfrentado, sentido e posteriormente lembrado em nossa memória de longo prazo.

A ausência dessa percepção de controle, por outro lado, favorece o distresse — o estresse negativo. O distresse emerge em situações indesejadas, impostas pelo ambiente, como baixa previsibilidade e controle reduzido. É algo que ocorre contra a nossa vontade, que não escolhemos, e que somos obrigados a enfrentar por imposição do ambiente externo. Nessas situações, geralmente é muito difícil prever o que vai acontecer. Mesmo que haja uma pequena chance de os resultados se manterem dentro de opções conhecidas, existe o risco de ultrapassar esse limite de segurança, gerando sensação de incerteza. Nesses casos, a percepção de controle é muito reduzida. Embora, objetivamente, seja possível avaliar o quanto uma situação é controlável ou não, muitas vezes é a percepção subjetiva que determina se um evento será sentido como mais ou menos controlável. A falta de controle pode ser consequência de uma avaliação cognitiva distorcida ou tendenciosa, segundo a qual a pessoa aprendeu a acreditar que nunca terá recursos suficientes e que seus esforços serão sempre inúteis. Nesse sentido, a ausência de controle é um fator determinante em quadros de estresse crônico e pode levar ao desenvolvimento de um estado conhecido como desamparo aprendido. Esse conceito foi introduzido por Martin Seligman e Steven Maier na década de 1960 a partir de observações feitas em experimentos com animais submetidos a condições adversas, nas quais os animais aprendiam que os resultados de suas ações não dependiam de seu comportamento. Assim, perdiam a motivação para tentar escapar de situações desagradáveis. 

Posteriormente, o desamparo aprendido foi amplamente estudado no comportamento humano. Segundo os autores, quando uma pessoa aprende que nada do que ela faz tem efeito, isso leva a respostas passivas, acompanhadas por sentimentos de derrota, e ao embotamento de respostas ativas que poderiam representar tentativas de enfrentamento ou fuga. O termo desamparo aprendido expressa justamente a crença de que os acontecimentos são incontroláveis. Quando passamos a acreditar que não temos controle sobre o que acontece conosco, isso pode afetar profundamente nossa forma de pensar, sentir e agir, gerando um padrão de resposta marcado por impotência. Trata-se de uma condição adquirida a partir de vivências pessoais nas quais se experimentou, de forma real ou percebida, a sensação de falta de controle diante de uma situação estressante.

A transformação do distresse em eustresse é possível, sobretudo por meio de estratégias psicoterapêuticas que promovam reinterpretações cognitivas, aumento da sensação de controle e fortalecimento da autoconfiança. Quando o estresse é percebido como incontrolável, imprevisível e inescapável, especialmente de forma crônica, o risco de desamparo e o desenvolvimento de transtornos mentais aumenta significativamente.


HOMEOSTASE, ALOSTASE E CARGA ALOSTÁTICA

O conceito de estresse refere-se aos efeitos decorrentes da exposição a diversos agentes estressores, os quais desencadeiam respostas adaptativas caracterizadas por uma complexa interação de reações fisiológicas e psicológicas. Inicialmente, essas respostas foram descritas como mecanismos fisiológicos destinados a proteger ou restaurar a homeostase — o equilíbrio interno do organismo ameaçado por estímulos externos. A homeostase, por sua vez, é um processo dinâmico que visa à manutenção da estabilidade do meio interno frente às mudanças e demandas impostas pelo ambiente. Em termos gerais, trata-se da capacidade do organismo de preservar sua integridade funcional por meio da regulação constante de suas condições internas.

Segundo os primeiros estudos, essa estabilidade depende da regulação de parâmetros vitais, como a oxigenação do sangue, o equilíbrio de fluidos, a temperatura corporal e o pH sanguíneo — todos mantidos dentro de limites extremamente estreitos. Diante de desafios ambientais, mesmo pequenas variações nesses sistemas precisam ser rapidamente corrigidas e restauradas ao ponto de equilíbrio, condição essencial para a sobrevivência do organismo.

Mais recentemente, o termo “alostase” foi introduzido para descrever a capacidade do organismo de alcançar estabilidade por meio da mudança. Nesse modelo, a regulação adaptativa ocorre por meio da ativação de sistemas como o sistema nervoso autônomo (SNA) e o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA), com liberação de catecolaminas e glicocorticoides, além de citocinas pró e anti-inflamatórias e hormônios como a desidroepiandrosterona (DHEA).

A ativação eficiente desses sistemas promove adaptação e cessa quando o estressor é resolvido. No entanto, sob condições de estresse prolongado, essas respostas tornam-se desadaptativas. "Carga alostática" é a resposta fisiológica normal e adaptativa do corpo ao estresse agudo, que permite manter o equilíbrio interno (homeostase) por meio da ativação de sistemas como o eixo HPA. Já a "Sobrecarga alostática" ocorre quando essa ativação se torna crônica, frequente ou mal regulada, resultando em um acúmulo de desgaste no organismo que pode levar a diversas doenças físicas e mentais, como hipertensão, depressão e distúrbios metabólicos. Ou seja, enquanto a carga alostática é benéfica e necessária em situações pontuais de estresse, a sobrecarga representa os efeitos nocivos de um estresse prolongado ou excessivo.

Portanto, o conceito de sobrecarga alostática refere-se ao impacto cumulativo de estressores crônicos que provocam uma ativação excessiva e prolongada dos mecanismos de alostase, resultando em alterações fisiopatológicas progressivas. Isso ocorre quando o estresse, por ser contínuo ou muito intenso, desregula os sistemas normalmente responsáveis pela adaptação do organismo, levando à produção desequilibrada de mediadores biológicos. Essas disfunções podem se manifestar em diferentes condições clínicas, cada uma representando um estado de sobrecarga alostática. Entre elas, destacam-se a hipertensão arterial, o aumento persistente de citocinas pró inflamatórias, comuns em distúrbios inflamatórios, e alterações nos níveis e no ritmo do cortisol, frequentemente associadas ao estresse crônico e à depressão. A carga alostática também está relacionada a mudanças metabólicas importantes, como o aumento do colesterol total, a redução do HDL, lipoproteína de alta densidade, e o aumento do LDL, lipoproteína de baixa densidade, compondo o quadro típico da síndrome metabólica. Além disso, pode ocorrer atrofia neuronal no hipocampo, uma alteração frequentemente observada em indivíduos expostos a estresse crônico e quadros depressivos.


ESTRESSE AGUDO, CRÔNICO E RESILIÊNCIA

Eventos estressantes podem ser classificados como agudos ou crônicos, com respostas que variam em intensidade e duração. Traumas psicológicos representam experiências altamente estressantes, com potencial de produzir alterações duradouras na cognição e emoção. O termo “trauma” vem do grego antigo e significa “ferida”. Assim, o trauma psicológico pode ser entendido como uma ferida de natureza cognitiva e emocional. Essa ferida não está localizada em uma região específica do cérebro, mas pode ser armazenada na memória de longo prazo. Essas memórias traumáticas podem permanecer silenciosas por muito tempo, mas também podem ser reativadas por processos cognitivos sutis ou estímulos ambientais, desencadeando sinais e sintomas associados à experiência traumática. Vivências traumáticas precoces, como abuso, negligência ou violência, estão fortemente associadas à vulnerabilidade para transtornos como depressão, ansiedade e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).

As respostas ao estresse envolvem duas etapas avaliativas: a primária, que julga a valência do estímulo (ameaçador, neutro ou positivo), e a secundária, que considera os recursos disponíveis para lidar com ele. A integração dessas informações depende da memória de trabalho e da memória de longo prazo.

Quando o indivíduo considera seus recursos suficientes, desenvolve estratégias eficazes de enfrentamento. Caso contrário, emerge a vulnerabilidade à vivência traumática. Nesse contexto, destaca-se o papel da resiliência, definida como a capacidade de se adaptar com sucesso ao estresse, superando adversidades e mantendo um funcionamento psicofisiológico estável. Isso significa que uma pessoa resiliente não é alguém que nunca enfrentou dificuldades, mas sim alguém que, apesar de ter sido afetada por situações adversas, conseguiu continuar respondendo de forma adaptativa. A resiliência é um processo dinâmico que envolve mudanças em níveis molecular, biológico, cognitivo, emocional e comportamental, integradas em um conjunto de respostas ativas e adaptativas, tanto no plano fisiológico quanto no psicológico. Nesse sentido, a resiliência está relacionada à habilidade de perceber situações estressantes como menos ameaçadoras, favorecendo o uso de estratégias de enfrentamento mais eficazes. Além disso, está associada à capacidade de lidar com adversidades de maneira bem-sucedida, emergindo dessas experiências com maior força, o que representa uma oportunidade de crescimento e desenvolvimento pessoal.

Embora existam características dos estressores, especialmente aqueles presentes em situações crônicas ou em experiências agudas extremamente avassaladoras, que não podem ser modificadas, ainda é possível alterar certos aspectos da vivência. Isso permite transformar um evento negativo em um desafio com potencial positivo. A resiliência, nesse contexto, também se define como a capacidade de desenvolver estratégias cognitivas voltadas ao aumento da previsibilidade, o que reduz significativamente o grau de incerteza. Além disso, envolve a habilidade de criar recursos mentais que ampliem a percepção subjetiva de controle, facilitando o enfrentamento bem sucedido da adversidade. Dessa forma, é possível evitar os efeitos duradouros do trauma, ao mesmo tempo em que o sofrimento é ressignificado como uma experiência positiva de eustresse.


NEUROBIOLOGIA DO ESTRESSE

O estresse pode ser desencadeado por estímulos externos percebidos pelos sentidos ou por estímulos internos, como memórias ou sensações corporais. As informações sensoriais são inicialmente processadas pelo tálamo, que distribui os sinais para os córtices sensoriais e associativos, e diretamente para a amígdala. A amígdala e o hipocampo, estruturas do sistema límbico, participam do processamento emocional e da modulação das respostas ao estresse, por meio da ativação do SNA e do eixo HPA. O processamento cognitivo e emocional envolve áreas específicas do córtex pré-frontal, que estão interligadas com o hipocampo e a amígdala, contribuindo assim para a modulação e aprimoramento das respostas adaptativas ao estresse.

Diversos sistemas de neurotransmissores também participam do processamento cognitivo e emocional e, por isso, influenciam diretamente as respostas ao estresse. A serotonina, por exemplo, é produzida principalmente nos núcleos da rafe dorsal, que estão envolvidos nas reações de medo e ansiedade diante de situações estressantes, e nos núcleos da rafe medial, que contribuem para promover a tolerância a estímulos aversivos, persistentes e inevitáveis, como os presentes em situações de estresse crônico. A dopamina é produzida principalmente na substância negra e na área tegmentar ventral, com projeções para diferentes regiões, incluindo o núcleo accumbens, que está relacionado à percepção de importância e valor emocional dos estímulos, atuando na detecção e antecipação de recompensas. Já a noradrenalina é produzida principalmente no locus coeruleus, que envia projeções para áreas corticais e do sistema límbico e está envolvida no aumento do estado de alerta e vigilância, o que favorece respostas adaptativas mais eficazes.

Esses sistemas monoaminérgicos são interconectados, o que permite uma regulação recíproca entre eles, assim como com estruturas corticais e subcorticais que participam da regulação do SNA e do eixo HPA. Em resposta a eventos estressantes, o eixo HPA é ativado por projeções excitatórias que alcançam o núcleo paraventricular do hipotálamo, levando à produção e liberação do CRF (fator liberador de corticotropina), que estimula a síntese de ACTH (hormônio adrenocorticotrófico). Esse hormônio, por sua vez, estimula a produção e liberação de glicocorticoides. O estresse crônico pode provocar uma ativação persistente desse sistema, com aumento sustentado nos níveis de cortisol, o que está associado à relação entre o estresse prolongado e o desenvolvimento da depressão.

Assim, os estressores ambientais são percebidos e transmitidos por vias sensoriais que se originam no SNP (sistema nervoso periférico) e seguem em direção ao SNC (sistema nervoso central). A informação sensorial chega primeiro ao tálamo, que atua como um centro de retransmissão, enviando sinais ao mesmo tempo para a amígdala e para os córtices sensoriais e associativos. Esses córtices, por sua vez, encaminham as informações para diferentes regiões do córtex pré-frontal, especialmente áreas do córtex pré-frontal medial, como o córtex orbitofrontal e o córtex cingulado anterior.

As projeções diretas do tálamo para a amígdala são responsáveis por ativar rapidamente o estado de alerta e as reações iniciais de alarme, o que desencadeia a ativação do SNA e do eixo HPA. Já as projeções indiretas chegam à amígdala por meio de outras rotas, incluindo sinais unimodais que vêm dos córtices sensoriais e sinais polimodais originados nos córtices associativos. Os córtices sensoriais continuam processando informações específicas de cada sentido — como visão, audição e tato — identificando os estímulos e enviando esses dados, de forma mais refinada, aos córtices associativos. Nessas regiões, situadas na confluência dos lobos occipital, temporal e parietal — área conhecida como córtex parieto-temporo-occipital — ocorre a integração sensorial em um conteúdo mais complexo e polimodal.

Os córtices sensoriais e associativos também enviam informações para um grupo de estruturas localizadas no lobo temporal medial, conhecidas como córtices de transição. Essas regiões do SNC estão envolvidas no processamento de informações previamente adquiridas e armazenadas na memória de longo prazo. Entre esses córtices estão o entorrinal, o perirrinal e o parahipocampal, que continuam o processamento dos estímulos sensoriais percebidos e enviam sinais para estruturas subcorticais do sistema límbico, situadas nas regiões mais profundas do lobo temporal medial.

O córtex perirrinal atua principalmente na identificação do estímulo em si, enquanto o córtex parahipocampal contribui para o reconhecimento do contexto em que o estímulo ocorre. As informações dessas duas regiões convergem no córtex entorrinal, que envia sinais para a formação hipocampal. No hipocampo, os estímulos podem ser processados com base tanto em suas características específicas quanto nas variáveis contextuais associadas. Assim, o sistema formado pelo hipocampo e pelos córtices de transição integra os estímulos percebidos — inicialmente armazenados na memória de curto prazo — com conhecimentos prévios da memória de longo prazo e com o contexto atual. Essas informações integradas são então transmitidas do hipocampo para a amígdala, estrutura essencial no processamento emocional e na ativação de respostas adaptativas diante de estímulos estressantes

A amígdala avalia a relevância afetiva dos estímulos e regula respostas autonômicas e endócrinas por meio de projeções para o hipotálamo lateral e o núcleo paraventricular do hipotálamo (PVN), com importante mediação do núcleo da estria terminal (BNST). A amígdala se conecta com o córtex pré-frontal medial (MPFC), especialmente com o córtex orbitofrontal (OFC) e o córtex cingulado anterior (ACC), incluindo sua porção subgenual (sgACC), que modula respostas emocionais e o eixo HPA.

O hipocampo contribui para a contextualização dos estímulos e modula o eixo HPA por meio de suas conexões com o BNST. Projeções do hipocampo ventral alcançam diretamente a amígdala e o MPFC. Já o ACC conecta-se com o OFC, o MPFC, o córtex pré-frontal dorsolateral (DLPFC) e o estriado ventral, permitindo a integração entre cognição, emoção e regulação autonômica.

O DLPFC, responsável por funções executivas e pela memória de trabalho, influencia indiretamente a amígdala por meio de suas conexões com o MPFC e o sgACC. Esse circuito top-down permite a reavaliação cognitiva de estímulos ameaçadores e contribui para a regulação emocional.

A serotonina, a dopamina e a noradrenalina também desempenham papéis fundamentais. A serotonina, produzida nos núcleos da rafe, atua sobre a amígdala e o hipocampo. A dopamina, originada na substância negra e na área tegmentar ventral (VTA), projeta para o núcleo accumbens e áreas do PFC, participando da atribuição de saliência motivacional. A noradrenalina, produzida no locus coeruleus, aumenta o estado de alerta e facilita respostas adaptativas rápidas.


SISTEMA LÍMBICO, HIPOCAMPO E AMÍGDALA

O sistema límbico é composto por estruturas interconectadas funcional e anatomicamente, localizadas ao redor do tálamo e do corpo caloso. Inclui a amígdala, a formação hipocampal, o hipotálamo, o septo, o giro do cíngulo, os córtices orbitofrontal e da ínsula, além de córtices de transição como o giro parahipocampal.

Esse conjunto foi descrito pela primeira vez por Paul Broca em 1878, que utilizou o termo “límbico” (do francês le grand lobe limbique, que significa “o grande lobo límbico”) para se referir a áreas corticais, como os giros cingulado e parahipocampal, localizados bilateralmente nas bordas de cada hemisfério cerebral. O termo “límbico” vem do latim limbus, que significa “margem” ou “borda”.

O papel de algumas dessas estruturas no processamento das emoções foi posteriormente descrito por James Papez em 1937, que propôs um circuito formado pelo hipocampo, giro parahipocampal, giro do cíngulo, fórnix, corpos mamilares e núcleo anterior do tálamo — circuito esse que ficou conhecido como o “circuito de Papez”. Em 1952, Paul MacLean cunhou o termo “sistema límbico” e propôs a teoria do “cérebro triúno”, segundo a qual o cérebro seria composto por três áreas em níveis evolutivos distintos: uma mais primitiva, chamada de “cérebro reptiliano”; uma intermediária, denominada “sistema límbico”, ligada às emoções e funções viscerais; e a mais evoluída, representada pelo neocórtex. Para MacLean, o sistema límbico era responsável pelo processamento das experiências emocionais, resultantes da integração entre percepções externas e sensações internas do corpo, incluindo informações do sistema autônomo e somático.

O papel do sistema límbico no processamento emocional foi posteriormente ampliado por Walle Nauta em 1958 e por diversos outros pesquisadores ao longo da década de 1960. Já nas décadas seguintes, especialmente nos anos 1980, Joseph LeDoux investigou com maior profundidade as múltiplas funções do sistema límbico, descrevendo a importância crítica de estruturas como a amígdala e o hipocampo, bem como suas conexões recíprocas com outras regiões corticais e subcorticais, na interface entre funções emocionais e cognitivas.

O hipocampo é uma estrutura essencial para o processamento de informações cognitivas e emocionais, especialmente na formação de memórias de longo prazo. Localizado no lobo temporal medial, ele inclui o giro denteado, as regiões CA1 a CA4 e o subículo. Funcionalmente, pode ser dividido em porções dorsal (mais relacionada à cognição) e ventral (mais associada ao processamento emocional). Projeções do hipocampo ventral, especialmente da CA1, alcançam o MPFC, o núcleo accumbens e a amígdala, contribuindo para a modulação do estresse.

O giro denteado recebe projeções do córtex entorrinal e envia sinais à região CA3, que, por sua vez, projeta para a CA1. A CA1 envia sinais ao subículo e ao córtex entorrinal, completando o circuito. O hipocampo também recebe aferências noradrenérgicas do locus coeruleus, serotoninérgicas dos núcleos da rafe e conexões diretas da amígdala, reforçando seu papel integrador entre memória, emoção e regulação fisiológica.

A amígdala, situada no polo anterior do lobo temporal medial, é composta por núcleos com diferentes funções, agrupados em três conjuntos principais: a região centro-medial, que inclui o núcleo medial (MNA) e o núcleo central da amígdala (CNA); o complexo basolateral (BLA), que compreende o núcleo lateral (LNA), o núcleo basal (BNA) e o núcleo basal acessório (ABA); e um terceiro grupo denominado "cortical-símile", que inclui o núcleo cortical e o núcleo do trato olfatório lateral.

O núcleo lateral da amígdala recebe informações sensoriais do tálamo e dos córtices sensoriais e associativos, enquanto o núcleo basal se conecta ao PFC e ao hipocampo. O núcleo central é a principal via de saída da amígdala para o tronco encefálico, modulando respostas autonômicas e comportamentais. A amígdala mantém conexões bidirecionais com o hipocampo, especialmente com a CA1 e o subículo, e com o córtex entorrinal. Também interage com o OFC, o MPFC, o ACC e o estriado ventral, compondo circuitos que integram emoções, memórias e decisões comportamentais. A região central da amígdala projeta para o PVN e o tronco encefálico, ativando respostas fisiológicas ao estresse. Além disso, suas conexões com o BNST integram-na funcionalmente ao que se denomina “amígdala estendida”, estrutura crítica na modulação da ansiedade.

A amígdala é regulada por um importante sistema inibitório GABAérgico, que evita que seus neurônios reajam a estímulos irrelevantes. Assim, estímulos novos podem inicialmente aumentar sua atividade, mas essa resposta pode diminuir com a repetição — um processo chamado habituação. No entanto, como estímulos novos podem estar ligados a eventos significativos, essas respostas podem ser intensificadas. A amígdala recebe principalmente entradas excitatórias de outras estruturas cerebrais por vias glutamatérgicas. Essas entradas ativam tanto neurônios excitatórios quanto interneurônios inibitórios GABAérgicos, que, por sua vez, fornecem retroalimentação inibitória aos demais neurônios.


CÓRTEX PRÉ-FRONTAL (PFC)

O PFC é a porção mais anterior do lobo frontal, responsável por integrar informações sensoriais, cognitivas e emocionais para guiar o comportamento. Ele pode ser subdividido em regiões dorsolateral (DLPFC), ventrolateral (VLPFC), ventromedial (VMPFC), orbitofrontal (OFC) e cingulado anterior (ACC), cada uma com papéis distintos e complementares.

O DLPFC está relacionado ao controle executivo, planejamento, memória de trabalho e tomada de decisão. Atua de forma indireta sobre a regulação emocional, principalmente por meio de suas conexões com o VMPFC e o ACC. A memória de trabalho permite a manutenção ativa de informações relevantes para avaliar contextos, antecipar consequências e selecionar respostas adaptativas.

O VMPFC participa da regulação emocional e da codificação de valor afetivo. Mantém conexões diretas com a amígdala, o hipocampo e o estriado ventral, influenciando a resposta emocional, especialmente em situações de valência positiva. Projeções do VMPFC para núcleos da rafe dorsal (DRN) modulam o sistema serotoninérgico, contribuindo para a percepção subjetiva de controle.

O OFC é responsável pela atribuição de valência emocional a estímulos sensoriais, integração de recompensas e punições, e reavaliação de contingências. Suas subdivisões lateral e medial participam respectivamente da codificação de estímulos aversivos e recompensadores. Conecta-se com o ACC, o estriado ventral, a amígdala e o hipocampo, influenciando comportamento motivado e social.

O ACC participa tanto de processos afetivos quanto cognitivos. A porção rostral/ventral (vACC) está envolvida na regulação emocional, com conexões com a amígdala e o VMPFC. Já a porção dorsal/caudal (dACC) está associada ao controle cognitivo, detecção de conflito e modulação da atenção. O ACC forma um elo entre o PFC e o sistema límbico, regulando reações emocionais a partir de reavaliações cognitivas.

Em conjunto, as regiões do PFC participam do circuito de regulação top-down, modulando a atividade de estruturas subcorticais como a amígdala e o PVN. Disfunções nesses circuitos estão implicadas na fisiopatologia de transtornos como depressão, ansiedade e TEPT. Intervenções terapêuticas que visam fortalecer essas vias — como a reestruturação cognitiva na terapia cognitivo-comportamental — baseiam-se na plasticidade funcional do PFC.


INTEGRAÇÃO FUNCIONAL E MECANISMOS TERAPÊUTICOS

O estresse impacta múltiplos sistemas cerebrais interligados. A integração funcional entre as regiões corticais e subcorticais, como PFC, amígdala, hipocampo, estriado ventral, BNST e estruturas do tronco encefálico, define o equilíbrio entre reatividade emocional e controle cognitivo. Essa rede permite que estímulos sejam avaliados com base em experiências anteriores, contexto atual, objetivos futuros e suporte emocional.

O funcionamento adaptativo dessa rede depende da flexibilidade cognitiva, da regulação emocional e da percepção de controle. Quando esses mecanismos são eficazes, mesmo situações adversas podem gerar crescimento pessoal e fortalecimento psicológico. Por outro lado, desequilíbrios nas conexões entre essas estruturas podem favorecer respostas emocionais desproporcionais, como medo excessivo, impulsividade ou apatia.

Intervenções psicoterapêuticas, farmacológicas e comportamentais podem modular a neuroplasticidade dessas redes. Técnicas de reavaliação cognitiva, exposição graduada, mindfulness e reforço positivo podem aumentar a atividade de circuitos reguladores corticais e reduzir a hiperatividade da amígdala. Medicamentos como ISRS e estabilizadores do humor também atuam sobre neurotransmissores e circuitos límbico-pré-frontais.

A resiliência, nesse contexto, emerge como resultado de uma rede funcional equilibrada, capaz de integrar emoção, cognição, memória e motivação. O fortalecimento dessa rede representa não apenas a base para o enfrentamento do estresse, mas também um objetivo terapêutico central na promoção da saúde mental.


REFERÊNCIA

Tafet GE. Neuroscience of stress: from neurobiology to cognitive, emotional and behavioral sciences. Cham (CH): Springer Nature Switzerland AG; 2022. ISBN: 978-3-031-00863-4.



Por Décio Gilberto Natrielli Filho

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