sexta-feira, 18 de outubro de 2024

Narcisismo no Ciclo Vital

Blog Desvendando a Personalidade
A Neurociência e Neurobiologia do Desenvolvimento Humano
By DALL-E

Recentemente, foram desenvolvidos modelos de três fatores para o narcisismo, aprimorando nossa compreensão sobre suas dimensões essenciais. Esses modelos distinguem três tipos principais de narcisismo—agente, antagonista e neurótico—que se alinham com o conceito trifurcado da condição. O narcisismo agente manifesta-se através da necessidade de admiração, sentimentos de grandiosidade e superioridade, além de traços como assertividade, liderança e motivação para a ação. Esse tipo tende a causar menos problemas interpessoais em comparação com os outros fatores. Já o narcisismo antagonista é marcado por arrogância, tendência à exploração, desonestidade, senso de direito, insensibilidade e baixa empatia, englobando as características mais desagradáveis e antissociais. Por fim, o narcisismo neurótico é caracterizado por desregulação emocional, hipersensibilidade e susceptibilidade à vergonha. Estes três fatores são estruturas dimensionais que facilitam a descrição da prevalência destas características narcisistas na população em geral.

O modelo de três fatores fornece uma análise aprofundada das semelhanças e diferenças entre o narcisismo grandioso e o vulnerável. No narcisismo grandioso, os fatores agente e antagonista predominam, enquanto o narcisismo vulnerável é caracterizado pela combinação dos fatores neurótico e antagonista. Ambas as formas de narcisismo partilham o componente antagonista, divergindo, no entanto, na influência dos componentes agente e neurótico na configuração dos traços narcisistas do indivíduo.

Adicionalmente, este modelo contribui significativamente para a compreensão da relação entre narcisismo e autoestima, que é a avaliação subjetiva do próprio valor enquanto pessoa. Nesse sentido, é possível distinguir conceitualmente os construtos de autoestima e narcisismo. Ter elevada autoestima não implica necessariamente numa percepção de superioridade sobre os outros e pode coexistir com atitudes pró-sociais, diferenciando-se assim das características frequentemente associadas ao narcisismo.

Diversas perspectivas teóricas indicam que os níveis médios de narcisismo tendem a reduzir-se ao longo da vida. Uma dessas visões é fundamentada pelo modelo de investimento social no desenvolvimento da personalidade. Este modelo sugere que os indivíduos dedicam-se aos papéis sociais que desempenham, seja no contexto de relacionamentos, no ambiente de trabalho ou na sociedade de forma mais ampla. A personalidade, então, evolui em direção a características que facilitam o bom desempenho nessas funções. Segundo o modelo, esses processos contribuem para o desenvolvimento de traços de personalidade mais maduros, tais como amabilidade, conscienciosidade e estabilidade emocional, fenômeno este descrito como o princípio da maturidade no desenvolvimento da personalidade. O princípio da maturidade é respaldado por um amplo conjunto de pesquisas, incluindo meta-análises, particularmente no que tange à juventude e à meia-idade. Uma vez que o narcisismo é considerado contrário à maturidade, especialmente os aspectos antagonistas e neuróticos, o modelo de investimento social preconiza que o narcisismo deverá declinar ao longo da vida, notadamente durante a juventude e a idade adulta média.

Uma segunda perspectiva teórica é oferecida pela teoria da seletividade socioemocional. De acordo com essa teoria, à medida que as pessoas envelhecem, elas mudam o foco da aquisição de novos recursos pessoais e da disposição para enfrentar desafios emocionais para a proteção da estabilidade emocional e das relações pessoais próximas. Abordagens teóricas recentes sobre o núcleo motivacional do narcisismo destacam o esforço pelo status social, que se alinha com um forte enfoque na aquisição de recursos pessoais. Assim, com base na teoria da seletividade socioemocional, espera-se que o esforço das pessoas pelo status social diminua com a idade e, consequentemente, que o narcisismo tenda a declinar.

Uma terceira perspectiva teórica considera que podem ocorrer mudanças relacionadas à idade na inadaptabilidade do narcisismo. Especificamente, as tendências narcisistas podem ser relativamente adaptativas na adolescência e no início da idade adulta, períodos de desenvolvimento caracterizados por um maior grau de atenção voltada para si mesmo e busca de identidade. Além disso, os adolescentes tendem a experimentar ilusões de onipotência e de unicidade pessoal—fenômenos relacionados aos aspectos grandiosos do narcisismo. Posteriormente, quando os indivíduos fazem a transição para papéis sociais adultos que envolvem responsabilidades individuais e sociais significativas, como os papéis de empregado, parceiro em um relacionamento romântico comprometido e pai, presume-se que o narcisismo se torne mais mal adaptativo. Se o narcisismo se torna mal adaptativo na transição da adolescência para a idade adulta, e se isso já era verdade no passado evolutivo dos humanos, fatores genéticos podem contribuir para o declínio normativo relacionado à idade do narcisismo.

Uma quarta perspectiva é oferecida pelo modelo do princípio da realidade. Esse modelo sugere que a probabilidade de fracassos aumenta à medida que os indivíduos passam pela infância, adolescência e juventude. Assim, é esperado que os indivíduos acumulem mais experiências de fracasso em comparação com estágios de desenvolvimento anteriores. Por exemplo, na transição da adolescência para a idade adulta, muitos enfrentam fracassos e rejeições em relacionamentos românticos, admissões educacionais e seleções para empregos desejados. O modelo do princípio da realidade pressupõe que o acúmulo de experiências de fracasso relacionado à idade contribui para a redução dos níveis de narcisismo.

Em resumo, diversas perspectivas teóricas indicam que o narcisismo diminui conforme as pessoas avançam na vida. Apesar dessas perspectivas se concentrarem em diferentes mecanismos que poderiam explicar essa diminuição, é importante notar que elas não são necessariamente excludentes entre si. Vários estudos transversais investigaram diferenças etárias em narcisismo. De maneira geral, esses estudos indicam que adultos mais velhos apresentam níveis de narcisismo inferiores aos de adultos mais jovens e adolescentes. 

Contudo, um problema dos estudos transversais é que eles não conseguem distinguir entre os efeitos do desenvolvimento humano, que é complexo. Por exemplo, mesmo que um estudo transversal mostre que adultos de meia-idade têm níveis substancialmente inferiores de narcisismo em comparação aos adultos emergentes, os participantes que estavam na meia-idade no momento do estudo poderiam ter sido menos narcisistas desde sempre, devido a condições socioculturais diferentes ou ambientes de criação distintos na juventude. Em outras palavras, dados transversais oferecem apenas uma visão instantânea das diferenças etárias em um determinado ponto no tempo, mas é possível que diferentes coortes incluídas na amostra sigam trajetórias distintas.

Vários estudos sugeriram que os níveis médios de narcisismo aumentaram entre as gerações nascidas entre os anos 1970 e 1990, o que levou à sugestão de que essas coortes deveriam ser denominadas "Geração Eu". Pesquisadores explicaram o possível aumento geracional de narcisismo ao referir-se a mudanças socioculturais nos países ocidentais, tais como o aumento do individualismo, a diminuição da empatia, o crescimento das vias para autoapresentação nas mídias sociais e a inflação de notas nos sistemas educacionais. Além disso, hipotetizou-se que os esforços da sociedade para elevar a autoestima das crianças tiveram efeitos contraproducentes, levando a um aumento do narcisismo em vez de uma melhoria no verdadeiro valor próprio. Por outro lado, outros questionaram a existência de aumentos geracionais no narcisismo, sugerindo que as tendências narcisistas podem até ter diminuído em grupos de indivíduos de nascimento mais recentes. 

Na revisão meta-analítica de Orth et al. (2024), Development of narcissism across the life span: a meta-analytic review of longitudinal studies, pubricada no periódico Psychological Bulletin, os autores sintetizaram os dados longitudinais disponíveis sobre mudanças no nível médio e estabilidade da ordem de classificação nos tipos de narcisismo: agente, antagonista e neurótico. O conjunto de dados meta-analíticos incluiu 51 amostras com um total de 37.247 participantes. Os resultados sugeriram que o narcisismo tipicamente diminuiu da idade de 8 a 77 anos. Os achados sugerem que os narcisismos agente, antagonista e neurótico mostram declínios normativos ao longo da vida e que as diferenças individuais nesses fatores são moderadamente (neurótico) a altamente (agente, antagonista) estáveis ao longo do tempo.

As perspectivas teóricas revisadas no início desta publicação sugerem que o narcisismo tende a diminuir conforme as pessoas envelhecem. Os resultados da meta-análise estão alinhados com essas perspectivas, demonstrando uma diminuição gradual dos níveis médios de narcisismo ao longo da vida. No entanto, esses achados não permitem distinguir entre as diferentes teorias propostas, como o modelo de investimento social no desenvolvimento da personalidade, a teoria da seletividade socioemocional e modelos que enfatizam a busca narcisista por status social, as suposições sobre o aumento da mal adaptação do narcisismo e o modelo do princípio da realidade. Pesquisas futuras deverão testar empiricamente qual dessas perspectivas oferece a melhor explicação para os padrões de desenvolvimento do narcisismo, derivando hipóteses concorrentes das diferentes teorias.

Os resultados da meta-análise não implicam que o declínio ocorra de maneira predeterminada, mas reforça a necessidade de identificar fatores influentes, como influências familiares e sociais. De fato, é possível que os mecanismos responsáveis variem ao longo da infância, adolescência e idade adulta. Os achados sobre estabilidade e mudança no narcisismo têm implicações importantes, considerando que altos níveis de narcisismo influenciam a vida das pessoas de várias maneiras, tanto a vida dos próprios indivíduos narcisistas quanto, talvez até mais, a vida das pessoas com quem eles interagem.


REFERÊNCIA

Ort U, Krauss S, Back MD. Development of narcissism across the life span: a meta-analytic review of longitudinal studies. Psychol Bull. 2024;150(6):643-665. doi:10.1037/bul0000436.


Por Décio Gilberto Natrielli Filho


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