Isso sugere que, no mundo árabe medieval, todos os sintomas eram essencialmente considerados transdiagnósticos (características ou fatores que são comuns a diferentes distúrbios ou condições psiquiátricas, ultrapassando as fronteiras diagnósticas específicas), e Avicena, junto a seus contemporâneos, estabelecia distinções classificatórias e diagnósticas baseando-se na resposta ao tratamento. Caso essas ideias tenham permeado o Ocidente e sido incorporadas à prática clínica da época, esse conhecimento se perdeu no período medieval. A próxima evolução na classificação ocorreu nos séculos XVII e XVIII, após a Renascença, impulsionada significativamente pelos padrões taxonômicos da época e pela expansão das taxonomias botânica e médica dos séculos XVI e XVII. Em sua obra Genera Morborum, Carl Lineu categorizou as doenças afetivas, por exemplo, como "amentia" (insanidade idiota), "mania" (perturbação mental crônica de forma furiosa), "daemonia" (perturbação mental parcial em um modo demoníaco, diabólico, assustador e terrível), "vesania" (perturbação mental parcial e crônica de forma triste e calma) e "melancholia" (perturbação mental parcial e crônica de maneira profundamente triste).
Na segunda metade do século XIX, o interesse pela classificação psiquiátrica cresceu significativamente. Algumas características notáveis desse período incluem a operacionalização das definições que hoje são amplamente aceitas, a definição das abordagens de classificação e o surgimento de diversas escolas de pensamento resultantes. No início do século, o termo "melancolia" não era sinônimo de depressão, mas referia-se a qualquer tipo de "insanidade", enquanto "mania" descrevia estados de excitação agitada, frequentemente associados à "paresia geral dos insanos" e outras síndromes orgânicas. Durante esse mesmo período, destacou-se o conceito de psicose unitária, ou Einheitspsychose, que englobava todas as psicoses afetivas e não afetivas em uma única categoria, apoiada por neurologistas como Carl Wernicke. No entanto, por volta de meados do século, a proposta de Jean-Étienne Dominique Esquirol sobre a lipemania (do grego lype que significa tristeza ou dor, indicando um estado de profunda tristeza ou melancolia) e a monomania marcou a identificação formal e a separação desses dois estados de humor das outras formas de psicose.
Esquirol utilizou o termo lipemania para descrever casos em que a tristeza extrema era o sintoma predominante, diferenciando-o de outras formas de mania ou estados mentais, como a monomania, que se referia a um tipo de transtorno mental caracterizado pela fixação de uma pessoa em uma única ideia, interesse ou pensamento, excluindo quase todos os outros aspectos da vida. Este fenômeno da monomania poderia manifestar-se sob a forma de uma obsessão com temas religiosos, sentimentos exacerbados de ciúme, ou a persistência de uma ideia fixa que poderia culminar em comportamentos antissociais ou delitivos. Essas manifestações específicas eram então classificadas como monomania homicida ou erótica, dependendo da natureza predominante do impulso obsessivo.
Esta tradição foi mantida pelos discípulos de Jean-Étienne Dominique Esquirol, especialmente por seu aprendiz Jules Gabriel François Baillarger (Falret), que introduziu o conceito de la folie circulaire, precursora da insanidade maníaco-depressiva (MDI) unificada de Emil Kraepelin. A dicotomia de Kraepelin (MDI versus demência precoce [DP]) é destacada como uma característica chave desse período, mas há outros conceitos relevantes a serem considerados. Esse período foi marcante, pois a sociedade começou a se afastar dos asilos controlados pelos chamados alienistas, e os cientistas buscaram distanciar-se ao máximo da fenomenologia abstrata em favor de classificações discretas, quantificáveis e replicáveis. Essa mudança desencadeou uma onda de classificação psiquiátrica na Europa. Tal movimento fomentou a formação de grupos que abandonaram todas as formas de fenomenologia em prol do raciocínio clínico sobre lesões cerebrais, em contraste com aqueles que denunciavam essa abordagem como um mito da psiquiatria (critica de Karl Jaspers a Carl Wernicke).
Jaspers incentivava a valorização do "caos do fenômeno" durante a formulação e recomendava evitar rígidos diagnósticos. Essa divisão ideológica ficou evidente com seus sucessores, como a dupla Kraepelin–Kurt Schneider, alinhada a Jaspers, e Karl Kleist–Carl Leonhard, seguindo Wernicke. À medida que essa narrativa se desenvolvia, as discrepâncias entre essas duas escolas de pensamento formaram a base dos esquemas de classificação psiquiátrica. Outro ponto importante dessa época foi a abordagem adotada na classificação das psicoses, onde Karl Ludwig Kahlbaum e Ewald Hecker propuseram que a correspondência entre etiologia, patologia cerebral, padrões de sintomas e resultados poderia indicar que estados clínicos e síndromes aparentemente distintos pertencem a uma mesma entidade de doença. Isso levou à criação de duas correntes de pensamento distintas: o grupo Kraepeliniano-Eugen Bleuler, que defendia uma nosologia dicotômica de demência precoce (DP) versus psicose maníaco-depressiva (MDP)/insanidade maníaco-depressiva (MDI), baseada principalmente no prognóstico a longo prazo menos favorável da DP, entendida como uma condição crônica e progressivamente deteriorante, em contraste com a MDP, caracterizada por episódios recorrentes com recuperações quase totais entre eles.
O segundo grupo, liderado por Josef Berze e Alfred Erich Hoche (1912), rejeitou diagnósticos baseados no curso longitudinal e, em vez disso, propôs uma classificação transversal baseada em agrupamentos de sintomas, que eles definiram como sobrepostos. No entanto, foi o grupo anterior que prevaleceu e até hoje conceituamos diagnósticos e tratamentos psiquiátricos em termos amplamente Kraepelinianos.
Emil Kraepelin propôs a primeira divisão adequada entre as várias psicoses endógenas anteriormente agrupadas na classe unitária, criando duas entidades separadas com base em uma vida de pesquisa observacional sobre o curso longitudinal: MDI/MDP (insanidade maníaco-depressiva / psicose maníaco-depressiva) e DP (demência precoce). Suas seis graduações de estados mistos também demonstram fundamentalmente sua tendência a afinar em vez de agrupar, e embora prognósticos a longo prazo de curso favorável versus não favorável permaneçam controversos, especialmente entre o transtorno bipolar como o entendemos hoje e o espectro da esquizofrenia. No entanto, suas observações sobre processos degenerativos (ou demência) inerentes a uma e não à outra permanecem intactas até hoje.
Outro desenvolvimento importante durante este período é a ideia de depressão. Inicialmente, a depressão foi dividida em vários subtipos, desde “neurótica” (reativa, que Kurt Schneider não considerava adequada para ser denominada depressões verdadeiras se emergissem de mudanças de vida) até involutiva, climatérica e assim por diante. A depressão também foi unificada como uma única entidade unitária durante este período pelo grupo Edward Mapother-Aubrey Lewis no Reino Unido, que na época era contestado por Kurt Schneider. Portanto, a depressão como a conhecemos hoje com sua extensa heterogeneidade foi conceituada durante este período. Este período define os limites da classificação e prepara o palco para a próxima onda de frenesi desencadeada por inovações na farmacologia psiquiátrica.
Durante as décadas de 1950 e 1960, um período marcado pelo pós-guerra e pela influência das práticas eugênicas nazistas, houve um significativo avanço no desenvolvimento de medicamentos psiquiátricos. Este foi também um tempo de grande migração acadêmica da Europa para os Estados Unidos, estabelecendo as bases para a primeira onda da psiquiatria biológica e consolidando a hegemonia americana no campo. Este contexto histórico influenciou profundamente a prática psiquiátrica.
Neste período, destacou-se a proposta de Jules Angst e Carlos Roberto Perris, que sugeriram uma nova classificação para os transtornos do humor, dividindo o que era conhecido como insanidade maníaco-depressiva em depressão unipolar e doenças afetivas bipolares. Esta ideia evoluiu a partir de um debate iniciado entre 1911 e 1953, quando Karl Kleist questionou o conceito de Emil Kraepelin, diferenciando os transtornos afetivos em unipolares e bipolares. Carl Leonhard mais tarde expandiu essa abordagem de Kleist entre 1934 e 1957, apesar de nem Kleist nem Leonhard considerarem a mania monopolar como parte dos transtornos bipolares conforme entendemos hoje. Esse entendimento foi posteriormente desenvolvido por figuras como Andreas Marneros, George Winokur e os seguidores das teorias de Wernicke-Kleist, como Edda Neele e Carl Leonhard.
Este período também é notável pela crescente aversão à fenomenologia e pela valorização excessiva da biologia concreta na psiquiatria, focando em biomarcadores, genes e lesões cerebrais. Este enfoque coincidiu com a ascensão das farmacêuticas corporativas e mudanças legislativas significativas, permitindo que essas empresas influenciassem fortemente a pesquisa e a gestão da informação nos sistemas de saúde.
Na década de 1970, David L. Dunner e colaboradores expandiram a classificação de Angst-Perris, introduzindo o conceito de transtorno bipolar II, caracterizado por episódios de depressão maior e hipomania. Durante esse período, a comunidade psiquiátrica tornou-se cada vez mais ciente da heterogeneidade dos correlatos biológicos dos transtornos mentais. Timothy J. Crow sugeriu a reunificação de todas as psicoses ao seu status unitário anterior, enquanto Hagop S. Akiskal e outros propuseram o conceito de "bipolaridade suave" (soft bipolarity), retomando a ideia de MDI de Kraepelin.
Esse reconhecimento do espectro mais amplo dos transtornos do humor permitiu uma melhor compreensão e tratamento dessas condições, levando à inclusão de critérios mais refinados nos sistemas diagnósticos subsequentes. A nova classificação ajudou os médicos a identificar e tratar os pacientes de forma mais eficaz, adaptando as intervenções terapêuticas para atender às variações individuais dentro do espectro. Essa abordagem do espectro também influenciou o desenvolvimento de novas terapias farmacológicas e psicoterapêuticas, proporcionando uma base mais sólida para o manejo clínico da bipolaridade. Consequentemente, a pesquisa continuou a evoluir, explorando os limites e as interseções entre os transtornos de humor, enriquecendo a psiquiatria com uma compreensão mais profunda dessas complexas condições mentais.
Qureshi MM, Young A. The Classification of Mood Disorders and the Unipolar/Bipolar Dichotomy. In: Young A, Sanches M, Soares JC, Juruena M, editors. Clinical Textbook of Mood Disorders. Cambridge: Cambridge University Press; 2024. p. 314-321.
Por Décio Gilberto Natrielli Filho
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