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O estudo publicado na revista Brain Sciences em 2024, liderado por Erica Pugliese, em colaboração com Federica Visco-Comandini, Carolina Papa, Luciana Ciringione, Lucia Cornacchia, Fabiana Gino, Loreta Cannito, Stefania Fadda e Francesco Mancini, explora as nuances do trauma relacionado à violência interpessoal. O artigo intitulado "Understanding Trauma in IPV: Distinguishing Complex PTSD, PTSD, and BPD in Victims and Offenders" oferece uma análise detalhada de como diferentes traumas se manifestam em vítimas e agressores. Este grupo de autores está associado a diversas instituições renomadas, incluindo a Associazione di Psicologia Cognitiva APC & Scuola di Psicoterapia Cognitiva SPC, Universidade Sapienza de Roma, Universidade de Trento, Scuola di Psicoterapia Cognitiva de Verona, Società Italiana di Cognitivismo Clínico, e a Universidade de Foggia.
Sabe-se que experiências adversas e traumáticas na infância podem levar a dificuldades em manter relacionamentos íntimos e interpessoais, sendo consideradas um fator de risco significativo para o desenvolvimento de transtornos de ansiedade e depressão na idade adulta. Muitos estudos têm investigado os mecanismos que explicam essa relação, enfocando especialmente a deterioração da capacidade de regulação emocional. Essa deterioração frequentemente resulta de comportamentos depreciativos e invalidantes dos pais em relação à criança, gerando emoções negativas que se repetem ao longo do tempo. As dificuldades em regular emoções comprometem a habilidade de funcionar em relacionamentos interpessoais e estão associadas negativamente à expressão de calor humano, assertividade, manutenção de relações positivas e intimidade.
Os estudos têm se aprofundado principalmente em como traumas na infância influenciam a vitimização e a perpetração de IPV na vida adulta. Análises recentes forneceram insights mais profundos sobre essas dinâmicas, enfatizando a interação entre traumas precoces e experiências posteriores de IPV. Além disso, uma das variáveis psicológicas identificadas como fator de risco para violência em relacionamentos íntimos é a dependência afetiva patológica (DAP), uma condição relacional em que um ou ambos os parceiros adotam comportamentos violentos, controladores, abusivos ou manipuladores em relação ao outro, e o relacionamento gera sofrimento em pelo menos um dos dois parceiros. De acordo com a teoria da DAP, essa condição emerge da insatisfação de algumas necessidades básicas nas relações de cuidado iniciais. Especificamente, a insatisfação com a necessidade de amor, dignidade e segurança com os cuidadores, combinada com as crenças disfuncionais arraigadas em nossa sociedade, leva pessoas com essa dependência a buscar ativamente essa satisfação em relacionamentos problemáticos e abusivos, mas, apesar disso, elas falham em deixar seus parceiros.
Ainda sobre a teoria da DAP, vivenciar ou perpetrar violência em um relacionamento pode ser um mecanismo de enfrentamento para gerenciar as emoções desagradáveis que surgem da relação com os cuidadores, que são então replicadas no relacionamento com o parceiro. Diversas pesquisas indicam que a vítima e o agressor compartilham os mesmos fatores de vulnerabilidade, derivados de experiências adversas precoces de natureza relacional. Além disso, o apego inseguro está associado a um maior risco de vitimização por violência por parceiro íntimo e perpetração (apesar de não se justificar ou atenuar esta última!).
Crianças criadas em ambientes turbulentos, imprevisíveis ou sem suporte desenvolvem estratégias específicas para gerenciar suas emoções a fim de se adaptarem ao ambiente, como a esquiva. Embora essas estratégias possam ser adaptativas a curto prazo, elas interferem na adaptação a longo prazo no contexto relacional mais amplo. Além disso, em resposta ao trauma interpessoal, crenças negativas sobre si mesmo podem se combinar com a avaliação negativa dos outros (por exemplo, que são perigosos ou não confiáveis), contribuindo para sentimentos de ameaça e paranoia. A percepção dos outros como perigosos pode aumentar o risco de violência para gerenciar a ameaça percebida.
Desde a introdução do diagnóstico de Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), reconhece-se que o trauma assume formas mais graves e complexas quando suportado por períodos prolongados. O TEPT é caracterizado por perturbações no processamento da memória traumática, resultando em pensamentos intrusivos, flashbacks e pesadelos. Adicionalmente, sistemas de neurotransmissores desregulados, particularmente a serotonina e a noradrenalina, contribuem para um aumento da excitação e um entorpecimento emocional em pacientes com TEPT.
De acordo com a 11ª Classificação Internacional de Doenças (CID-11), o Transtorno de Estresse Pós-Traumático Complexo (TEPT-C) é caracterizado por um conjunto de sintomas que vão além daqueles do TEPT. Estes incluem desregulação afetiva, autoconceito negativo e perturbações nas relações interpessoais, que frequentemente surgem de traumas prolongados ou repetitivos, como abuso na infância ou violência doméstica prolongada. A CID-11 enfatiza que o TEPT-C envolve mudanças profundas na percepção de si mesmo e no funcionamento interpessoal, muitas vezes resultantes de experiências das quais não é possível escapar. Esta foi uma inovação essencial no campo da pesquisa de estresse traumático.
By Faculdade CenbrapOs elementos psicológicos que podem caracterizar o TEPT-C incluem os seguintes:
1. Exposição a traumas graves e abusos interpessoais crônicos, prolongados e repetidos;
2. Falha de vinculação, típica na história de vida de pessoas com TEPT-C, juntamente com vários episódios de traumatização repetida na infância;
3. Senso de si inadequado, padrões alterados, desregulação emocional e controle de impulsos;
4. Adesão ao tratamento mais fraca e resultados menos favoráveis, com desafios para alcançar eficácia;
5. Prognóstico pior e um curso prolongado, também devido ao aumento da incapacidade funcional;
6. Comorbidades importantes, como transtornos de ansiedade, transtornos de humor, transtornos de somatização e transtornos da personalidade, do que indivíduos que não atendem aos critérios para TEPT;
7. Fatores de risco mais elevados para psicopatologia, como dissociação, comportamentos autolesivos e abuso de substâncias.
A. Desregulação afetiva (por exemplo, mudanças na regulação afetiva que podem ocorrer como sentimentos persistentes de insatisfação, tendências para autoagressão ou pensamentos suicidas, raiva explosiva ou notavelmente contida, comportamentos sexuais compulsivos ou inibidos, e/ou respostas emocionais reprimidas ou imprevisíveis);
B. Desregulação comportamental (por exemplo, dificuldades em controlar impulsos, violência contra outros e/ou comportamentos de risco);
C. Prejuízos nas relações interpessoais (ou seja, evitação, isolamento, conflitos em relacionamentos íntimos, demandas disfuncionais por cuidado e reasseguramento, desconfiança persistente e falhas repetidas de autoproteção);
D. Dificuldades de atenção ou de monitoramento na capacidade de dirigir ou desviar a atenção de estímulos associados ao trauma;
E. Dissociação - alterações qualitativas da consciência (por exemplo, amnésia ou hipermnésia devido a eventos traumáticos, episódios dissociativos transitórios e/ou despersonalização/desrealização);
F. Somatizações (por exemplo, dor crônica, dificuldade em regular a ativação do sistema nervoso);
G. Sintomas de identidade dissociativa (ou seja, conceito alterado de si mesmo com representações extremamente flutuantes, instáveis e caóticas);
H. Sistemas de significado alterados (ou seja, sintomas de autoconceito negativo são definidos como crenças persistentes sobre si mesmo como diminuído, derrotado ou sem valor, acompanhados de sentimentos profundos e pervasivos de vergonha, culpa ou fracasso).
Desregulação afetiva, autoconceito negativo ou alterado e prejuízo nas relações interpessoais são os três agrupamentos adicionais de sintomas que, segundo a CID-11, refletem prejuízos na auto-organização.
Vários estudos investigaram os fatores de vulnerabilidade que predispõem ao desenvolvimento do TEPT-C. Dentre esses, experiências precoces de tortura, violência interpessoal, negligência, abuso, genocídio, luto traumático, violência doméstica ou por parceiro íntimo, abuso institucional, como o que pode ocorrer em lares adotivos, ou experiências traumáticas em refugiados de guerra foram identificados como fatores relevantes no desenvolvimento do TEPT-C.
O TEPT é um possível desfecho clínico após o encontro com um estressor traumático, delineado na CID-11 por três critérios principais: reviver o evento, como através de flashbacks e pesadelos; evitar lembretes; e experienciar um senso predominante de perigo iminente, frequentemente caracterizado por uma vigilância aumentada. Diferente da CID-11, a última edição do DSM-5-TR não inclui um diagnóstico especificamente para TEPT-C. De fato, reconhece que há uma heterogeneidade substancial nos sintomas observados em indivíduos traumatizados, expandindo o alcance e os tipos de sintomas incluídos no diagnóstico de TEPT. Por exemplo, o DSM-5 introduz um agrupamento de sintomas relacionado a alterações negativas no humor e na cognição, juntamente com um subtipo dissociativo, para abordar certos aspectos de perturbação afetiva e auto-percepção.
Abordar o diagnóstico diferencial entre TEPT-C e o Transtorno da Personalidade Borderline (TPB) é crucial, especialmente em relação à história de traumas na infância, porque ambos os transtornos compartilham sintomas comuns que podem surgir de experiências adversas precoces. Contudo, no caso do TPB, a presença de experiências adversas na infância não é obrigatória, ou seja, a discussão aqui refere-se somente àqueles casos com história de traumas na infância.
Uma das principais definições de um transtorno da personalidade, como o TPB, é que seu início ocorre geralmente no final da adolescência ou no início da idade adulta. Não dizemos que há um episódio de transtorno borderline porque, uma vez diagnosticados, os padrões disfuncionais de comportamento, cognição, impulsividade e afetividade tornam-se persistentes e caracterizam o modo habitual de ser da pessoa. Portanto, o TPB torna-se a tendência característica do indivíduo de responder aos conflitos e estressores internos e externos, com oscilações naturais na intensidade ao longo do tempo.
Para mais informações sobre o Transtorno da Personalidade Borderline recomendo a leitura do livro "Fronteiras da Personalidade - Desvendando o Transtorno Borderline", que publiquei recentemente com a intenção de informar e orientar pacientes, familiares e cuidadores sobre este complexo transtorno mental. Para obter o livro físico, acesse o site: https://clubedeautores.com.br/livro/fronteiras-da-personalidade
A desregulação emocional ocorre nos dois transtornos, mas enquanto no TEPT-C há uma dificuldade crônica em encontrar conforto quando angustiado, no TPB há raiva extrema e descontrolada e profundo descontrole emocional. Quanto à raiva, comportamentos suicidas e autolesivos ocorrem ocasionalmente no TEPT-C, enquanto são mais centrais e frequentes no TPB. No TEPT-C, as percepções negativas de si mesmo tendem a centrar-se em um senso crônico de culpa, vergonha e inutilidade, em contraste com um senso de si mais instável e fragmentado presente no TPB. Embora ambos, TPB e TEPT-C, envolvam desafios severos em relacionamentos, eles se manifestam de maneira diferente em termos de padrões relacionais.
No TPB, há uma hostilidade reativa pronunciada dentro dos relacionamentos, frequentemente acompanhada por um ciclo de apego e desapego intenso para evitar o abandono percebido. Indivíduos com TPB frequentemente têm uma necessidade avassaladora de proximidade e podem exibir comportamentos exigentes para satisfazer essa necessidade, enquanto no TEPT-C, a desregulação é caracterizada tanto pela esquiva quanto pelo desapego, enraizados no medo da proximidade e intimidade com outros. O medo da intimidade pode moderar a necessidade de proximidade, levando os indivíduos a lidarem mantendo distância nos relacionamentos, percebendo-os como muito arriscados. Esse medo de intimidade é sistematicamente acompanhado por uma percepção contínua de traição e um severo desapego emocional dentro dos relacionamentos, e sentimentos secundários de tristeza devido à falha em alcançar objetivos afetivos e interpessoais. Eles podem desejar um relacionamento, mas a vergonha e a preocupação em sobrecarregar os outros os impedem de buscar um. Em contraste, o desejo por proximidade no TPB assume a forma de raiva intensa e contenção, aliada a um terror de abandono. Eles frequentemente oscilam entre exigir proximidade e recorrer a ameaças impulsivas de abandono para evitar serem deixados.
Em relação às características gerais e sintomas centrais, o TEPT apresenta sintomas como hiperativação, entorpecimento emocional e dificuldade de se desvincular de relacionamentos abusivos. O TEPT-C é caracterizado por evitação, desapego emocional e perturbação na auto-organização. Já o TPB manifesta-se por meio de volatilidade emocional, instabilidade de identidade e medo de abandono.
Como o transtorno influencia ou é influenciado pela vitimização na IPV devido ao entorpecimento emocional e hiperativação, o TEPT está ligado à agressão decorrente da percepção de ameaça. No caso do TEPT-C, o desapego emocional e a esquiva levam à vitimização, além de instabilidade relacional severa e violência psicológica por parte dos perpetradores. Já o TPB apresenta alto risco tanto de vitimização quanto de perpetração, com fortes ligações à IPV por meio de volatilidade emocional e impulsividade.
O perfil da vítima revela características e comportamentos específicos que podem influenciar sua resposta e vulnerabilidade em situações de violência interpessoal. No TEPT, observa-se hiperativação, entorpecimento emocional e dificuldades para sair de situações abusivas. No TEPT-C, as vítimas frequentemente apresentam esquiva e desapego emocional, elevando o risco de vitimização. Já no Transtorno da Personalidade Borderline, os indivíduos muitas vezes enfrentam medo de rejeição e instabilidade de identidade, o que os torna altamente vulneráveis à IPV.
Indivíduos com TEPT, TEPT-C e TPB apresentam os mais altos níveis de estresse psíquico, histórico de eventos traumáticos, experiências adversas na infância e sintomas relacionados a traumas. No entanto, a vergonha, uma emoção central no trauma que pode diferenciar sua gravidade, foi a única emoção social a apresentar diferenças significativas entre eles. Além disso, a dissociação tem sido associada tanto ao TEPT-C quanto ao TPB. Essas semelhanças levaram alguns autores a sugerir a reclassificação do TPB como um transtorno relacionado ao trauma. Embora TPB e TEPT-C tenham algumas semelhanças, assim como TEPT-C e TEPT, não é adequado considerar o TEPT-C como um subtipo de TPB. Sugere-se que um subgrupo de pacientes com TPB, que muitas vezes, mas não sempre, tem TEPT comórbido, possa ser melhor compreendido e tratado se o TEPT-C for explicitamente abordado juntamente com o TPB. Contudo, este é uma parte do conhecimento ainda em construção, com diferentes referenciais teóricos e conceituais, dependendo da escola científica. Como isso se reflete na prática? A mais frequente consequência é uma dificuldade do profissional de saúde mental em classificar ou "alocar" seu paciente em uma categoria diagnóstica clara e consistente, comprometendo o planejamento terapêutico.
Um mecanismo subjacente ao TEPT-C que tem sido associado à violência interpessoal consiste na desorganização do apego e experiências de inversão de papéis durante a infância, que levariam os indivíduos a serem incapazes de afirmar suas necessidades em relacionamentos interpessoais, aumentando o risco de vitimização. Além disso, não é apenas a experiência dos eventos traumáticos interpessoais em si que é crucial, mas sim a falta de integração desses eventos que parece predispor os indivíduos à IPV. Isso ocorre porque o abuso e maus-tratos na infância podem ter sido negados, preservando a integridade psicológica naquele momento, mas levando a tendências disfuncionais semelhantes em relacionamentos adultos.
O TPB também foi encontrado em vítimas de violência interpessoal, mas na forma de traços de personalidade e, como já mencionado, em comorbidade ao TEPT. Além disso, as características do TPB que constituem um fator de risco mais significativo para vitimização são o medo de rejeição, solidão e instabilidade de identidade. Sob a condição de IPV, as vítimas comportam-se como se tivessem um transtorno de personalidade, pois o comportamento do agressor é um gatilho para a ativação dos seus traços disfuncionais (ou de defesas, geralmente primitivas e desadaptativas, o que aumenta o sofrimento). Esses traços disfuncionais desaparecem quando estão fora da condição violenta.
O artigo em análise aborda com profundidade o impacto devastador da violência interpessoal sobre indivíduos em relacionamentos íntimos, destacando a prevalência alarmante de violência física e/ou sexual contra mulheres em escala global. A pesquisa de Erica Pugliese e colaboradores, publicada na revista Brain Sciences, desvenda as complexas interações entre traumas passados e presentes em vítimas e agressores, evidenciando que traumas na infância são preditores significativos de comportamentos violentos na idade adulta. Este estudo ressalta a importância de identificar e tratar os traumas complexos, que muitas vezes se manifestam como Transtorno de Estresse Pós-Traumático Complexo, diferenciando-o dos casos mais gerais de TEPT e do Transtorno da Personalidade Borderline. Além disso, o artigo ilumina as dificuldades de regulação emocional e as disfunções nas relações interpessoais que ambos os perpetradores e vítimas de IPV podem exibir.
REFERÊNCIA
Pugliese E, Visco-Comandini F, Papa C, Ciringione L, Cornacchia L, Gino F, Cannito L, Fadda S, Mancini F. Understanding trauma in IPV: Distinguishing complex PTSD, PTSD, and BPD in victims and offenders. Brain Sci. 2024; 14:856.
Por Décio Gilberto Natrielli Filho
Bom dia a todos!!!
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